REMENDO(S)

N. Batista @natally.batista.7
2 min readSep 5, 2022

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A janela de um quarto da ala feminina do HSS

Acordei com o som insistente de um passarinho.

Lembro de achar estranho porque eram 3 da manhã.

Não sabia que pássaros cantavam tão cedo ou me esqueci.

Sempre esqueço quase tudo, mas hoje às 3h me lembrei desse remendo.

A lembrança insistente, porém sem movimento, ali na cabeça, paradona… só mesmo como uma fotografia, quase me irritou.

Agora lembrei de novo da fotografia, da cortina e desse remendo horrível.
Porque alguém faria um remendo tão grotesco assim? Alguém que se deu ao trabalho de empunhar agulha e linha e sem nenhum esmero, remendar. Um remendo escancarado, como se dissesse: “aqui está um remendo feito com o propósito de ser remendo e parecer um remendo”. Sem disfarces.

Naquele janelão velho do hospital velho — sucateado (como provavelmente qualquer coisa nesse país) uma cortina velha, porém, remendada. Nesse dia de agosto de 2020, deitada ao lado da minha mãe e observando a cortina, construímos uma metáfora do remendo, um paralelo com a realidade (política, cultural e emocional — aqui no sentido que a gente tava se sentindo mais miserável que esse remendo aí). Mandei vê nessa foto de baixa qualidade e enquadramento idem e pensei em escrever sobre tudo que a gente conversou.

Mas voltando a madrugada de hoje: não recuperei o sono.

Também não vou recuperar a metáfora (eu não lembro mais, esqueço quase tudo).
Vi agora um vídeo de um guru (não lembro o nome do sujeito…) que em uma palestra ele dizia: “se você ficar três dias sem escovar os dentes, mesmo tendo o nariz logo acima da boca, dificilmente vai notar o mal cheiro, mas todos aqui nessa sala irão. É mais fácil se incomodar com os defeitos alheios que encontrar os nossos”.

Cacarecos e tralhas habitam em mim. Vejo alguns remendos convalescentes entre os muitos que resisto em enxergar.

Preciso deixá-los à mostra igual ao dessa cortina aí.

Pra quê? (você me pergunta).

Pra ontem.

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N. Batista @natally.batista.7

Palavras, palavras, palavras... escrever é gritar, o resto é silêncio (Sob forte efeito de Hamlet deixo a biografia para depois).