PRINCESAS: NO PARTILHAR DO BOLO ROSA

N. Batista @natally.batista.7
2 min readMar 17, 2021

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NÃO DEMORE VIR ME VER

Apesar do desespero da solidão bater à porta com frequência, as memórias inescurecíveis que me acompanham de uma amizade tão doce e necessária são hoje combustíveis para que a esperança viva.

Naqueles dias de salário-mínimo-de-meio-período sobrava muito mês no final do dinheiro: era assustador ter que escolher entre a comida e o gás. Mas alguma coisa boa sempre acontecia. Sempre!

Minha irmã ainda era muito pequena para entender tudo que estava acontecendo na nossa casa. Com boa intenção, tentávamos poupá-la (inutilmente) das verdades amargas e das limitações existentes.

Era início de ano letivo e a criança queria o material escolar da coleção Princesas da Disney, em alta naquela ocasião. Fiquei dias pensando numa alternativa mais viável financeiramente, sem muito sucesso, é claro.

Os dias cinzentos insistiam. Chorando ou cantando voltávamos para casa caminhando e recolhendo latinhas pelo caminho (aliás, o empreendimento com sucata durou um bom tempo e ajudou muito!). Um dia, voltando pra casa eu, ela e a criança, revirávamos as lixeiras em busca das nossas preciosas latinhas quando tivemos uma baita surpresa: embrulhado em um papel alumínio com bastante rigor, um generoso pedaço de bolo. Ah! não era um bolo qualquer, era um bolo rosa! Tá bom, confesso: havia algumas formigonas ao redor, mas pedimos licença com bastante educação e saboreamos entre risos e lágrimas aquela doce refeição.

Eu me lembro daquele dia mais e melhor do que os acontecimentos da manhã de hoje. Lembro-me de cada detalhe, inclusive dos sentimentos. Lembro-me também do que não senti: não senti vergonha, não senti medo (nem do presente, nem do futuro), não senti raiva e nem revolta. Gratidão foi o que nós três partilhamos naquela noite no meio da avenida, em frente à lixeira do prédio num dia qualquer sem dinheiro num final de mês.

Passado alguns dias ela chamou minha irmã para irem à maior papelaria da cidade. Cadernos, canetas, lápis, borracha, apontador, estojo e tudo mais que se precisa: tudo das Princesas da Disney.

Hoje, quando chego exausta da labuta, vejo minha irmã estudando no notebook na mesa da cozinha no terceiro ano de graduação. Ao lado do computador, cadernos, livros, canetas… e o estojo rosa das princesas.

Aí você me pergunta: sobre o que é afinal esta estória: princesas? latinhas? bolo rosa? lixeiras? estojos? Eu não sei… eu não sei… Mas talvez seja sobre uma frase de um conhecido escritor norte-americano, Ernest Hemingway, que diz o seguinte:

“Quem estará nas trincheiras ao seu lado?

— E isso importa?

— Mais do que a própria guerra”.

Continua…

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N. Batista @natally.batista.7

Palavras, palavras, palavras... escrever é gritar, o resto é silêncio (Sob forte efeito de Hamlet deixo a biografia para depois).